Juristas ouvidos pelo site de VEJA afirmam que o decreto assinado pela presidente Dilma, que determina a implantação da Política Nacional de Participação Social (PNPS) e do Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), prevendo a criação de “conselhos populares” formados por integrantes de movimentos sociais, não apenas usurpa atribuições do Congresso Nacional, como ainda ataca um dos pilares da democracia representativa. Para os juristas, o texto presidencial usurpa a ideia de igualdade (“um homem, um voto”) sacramentada pela Constituição, ao tentar criar um acesso privilegiado ao governo para integrantes de movimentos sociais.

“Esse decreto diz respeito à participação popular no processo legislativo e administrativo, mas a Constituição, quando fala de participação popular, é expressa ao prever como método de soberania o voto direto e secreto. É o princípio do ‘um homem, um voto’. Sem dúvida isso é coisa bolivariana, com aparência de legalidade, mas inconstitucional. Hugo Chávez sempre lutou para governar por decreto. Nicolás Maduro, a mesma coisa. Isso está ocorrendo também na Bolívia e no Equador. É um movimento sul-americano esse tal constitucionalismo bolivariano, mas é algo que pugna pelo fortalecimento do Executivo, por uma ditadura e que prega a vontade dos detentores do poder”, diz o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Velloso.

Para o ex-ministro da Justiça Miguel Reale, o decreto é eleitoreiro: “Dilma ganha diálogo com os movimentos sociais e pode dizer ‘eu dei poder para vocês. É uma democracia pior que a Venezuela, uma balbúrdia, um caldeirão. É mais grave do que os governos bolivarianos da América do Sul, porque esse decreto reconhece que movimentos não institucionalizados têm o poder de estabelecer metas e interferências na administração pública. Qualquer um pode criar um organismo para ter interferência”, completa Reale.

Na avaliação do ministro Gilmar Mendes, do STF, a criação dos conselhos populares também abre espaço para dúvidas sobre a representatividade daqueles que serão responsáveis por discutir políticas públicas. “À medida em que essas pessoas vão ter acesso a órgãos de deliberação, surge a dúvida de como vão ser cooptados, como vão ser selecionados. Se falamos de movimentos sociais, o que é isso? Como a sociedade civil vai se organizar? O grande afetado em termos de legitimidade de imediato é o Congresso”, afirma. “Tudo que vem desse eixo de inspiração bolivariano não faz bem para a democracia.”

No Congresso, nesta semana, o senador Alvaro Dias apresentou projeto de decreto legislativo com a finalidade de suspender a vigência do decreto federal que criou a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social (Decreto 8.243/2014). O projeto está na Comissão de Constituição e Justiça, e será relatado pelo senador Pedro Taques (PDT-MT). O senador Taques já afirmou que pretende entregar seu parecer ao projeto na próxima semana.

O senador Alvaro Dias disse temer que a medida — a exemplo do que, segundo ele, ocorreu com o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra — faça com que associações e outras organizações da sociedade sejam atraídas para o lado do governo federal. O senador reconheceu a importância da participação popular na discussão dos problemas da sociedade e na tomada de decisões, mas defendeu que isso ocorra em casos específicos, locais.

“É inegável que, ao assinar esse decreto, a presidência da república decreta a falência do poder legislativo federal e o sucateamento total e absoluto do congresso nacional. sua excelência, por meio desta proposta, ratifica o desrespeito permanente que dedica ao parlamento, como faz rotineiramente, com a edição desenfreada de medidas provisórias e a dominação da pauta do congresso nacional”, advertiu o senador Alvaro Dias.