A urbanização nos últimos 50 anos ocorreu de forma surpreendente e trouxe, de forma assustadora, a proliferação da violência nos centros urbanos. Para essa violência, que é um fenômeno complexo, não existe solução simples e garantida e o resultado positivo de uma ação em determinado lugar pode não funcionar para outro. No Brasil, as pessoas estão vivenciando uma epidemia crônica de violência urbana e isso não pode mais continuar.
O governo brasileiro perdeu o controle da violência urbana?
AD: Os últimos governos, do qual o atual foi parceiro de primeira hora, perderam o controle do Brasil. O acirramento da violência urbana que assusta brasileiros de Norte a sul do País, e que inclusive está motivando muitos a buscarem segurança em países mais organizados, é, em grande medida, decorrência da deterioração da atividade política e da administração pública. A violência não é um problema de falha na atuação da polícia estadual e federal apenas, é fruto, por exemplo, do aprofundamento da desigualdade, da incompetência administrativa, da própria insegurança e da falta de efetividade e da morosidade dos processos criminais, especialmente nas instanciais superiores.
O governo está adotando as medidas necessárias para a retomada do controle?
AD: O governo está fazendo mais do mesmo, e isso não é solução inteligente. Embora não devesse ser assim, os governos em geral têm dificuldades para reconhecer o tamanho do problema que sua gestão enfrenta. Todos lembram que no Estado de São Paulo, muito recentemente, as autoridades insistiam em afirmar que a falta de água não representava um racionamento, o que irritava profundamente a população. Com a segurança não é diferente. Não podemos considerar uma situação de normalidade a vida em uma grande cidade onde o morador precisa, com certa frequência, parar seu carro no meio da rua, deitar-se no chão, esperar o tiroteio parar e, se sobreviver, continuar seu trajeto, levando seus filhos para a escola ou indo para o trabalho. É preciso reconhecer o problema para agir de forma plena e transparente.
É possível impedir a escalada da violência urbana e reduzi-la a patamares aceitáveis?
AD: Não é apenas possível. É necessário e imperioso. Esse é um tema que o governante eleito em 2018 deve ter na escala de urgência. Precisará ter passado limpo e conduta ilibada para pedir à população, já no primeiro dia de governo, uma parceria efetiva na restauração dos valores éticos necessários à vida em sociedade, sendo o respeito reciproco uma regra básica. Um governante, juntamente com seus auxiliares, tem a obrigação de dar o exemplo nesse sentido. Com a evolução tecnológica, que proporciona transparência em tempo real das ações dos governantes, o rei está sempre nu e isso influencia de forma absoluta sua credibilidade ou falta dela junto à população. Além do exemplo pessoal e de equipe, que é condição primeira, existe a necessidade de repensar o papel e a estrutura das Forças Armadas e da Polícia Federal nas áreas de fronteira, buscar insistentemente a construção de acordos com os países vizinhos, construir um sistema de inteligência integrado que permita as diversas polícias compartilhar informações sem a necessidade de burocracia e formalidade. Até mesmo debater com a sociedade se a União deve ou não continuar com o monopólio da competência legislativa na área criminal. Nossos Estados já são bem maduros e responsáveis para administrar um pouco mais os seus próprios problemas. Quem sabe uma experiência assim possa ser o início de um desmonte do Poder excessivo centralizado na batuta da União desde a Proclamação da República.
A meu sentir, para solucionar a questão de segurança pública no Brasil, urge uma medida legislativa definitiva e drástica, novo formato para polícias estaduais, fundo específico para segurança pública (SUSP) a exemplo do SUS, autonomia financeira e administrativa para essa nova polícia estadual, efetivos capacitados e bem remunerados. A situação nacional de segurança pública chegou a um nível tal de descontrole que soluções paliativas e superficiais não mais serão suficientes. É nosso dever reconhecer isso e ter coragem para buscar alterações estruturais profundas, desprovidas de egos institucionais e brigas por parcelas de poder, antes que seja irreversível.
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