“Um longo caminho pela frente”
Artigo de Gabriel Leal de Barros
Economista e Diretor da Instituição Fiscal Independente
(publicado no jornal Folha de S.Paulo e reproduzido neste site)
Os números divulgados pelo governo sobre suas contas, em 2017, apontaram um quadro mais benigno do que o esperado pela IFI, pelo mercado e mesmo pela equipe econômica.
Contudo, a vitória é apenas parcial. Ela não exime o país de realizar mudanças que promovam a convergência do quadro fiscal a padrões adequados de controle do déficit e da dívida pública nos próximos anos. Isso dependerá da capacidade deste e do próximo governo em realizar profundo ajuste nas contas públicas.
A conta do setor público fechou no vermelho, em 2017, em R$ 110,6 bilhões, com peso importante de receitas atípicas e corte das chamadas despesas discricionários (não obrigatórios), no caso do governo federal. Só nas despesas com o PAC, que contempla boa parte dos programas de investimento público federal, a queda observada em relação a 2016 foi superior a 30% em termos reais.
A meta de déficit primário (sem contar juros da dívida) de R$ 163,1 bilhões, incluindo estados, municípios e União, acabou sendo cumprida com folga – uma bênção e uma maldição, simultaneamente. A sinalização de curto prazo é positiva, mas a sustentabilidade de um programa de ajuste focado na derrubada de investimentos e em cerca de R$ 90 bilhões de receitas atípicas é de baixo alcance. As despesas com pessoal, para que se tenha ideia, cresceram acima de 6% em termos reais.
É verdade que houveram avanços importantes, sobretudo a adoção de um teto para os gastos, que evidenciou a restrição orçamentária e insustentabilidade das contas públicas para a sociedade. No entanto, o que vem pela frente exigirá maturidade bastante superior dos gestores de política econômica, das instituições, da política e, na realidade, de toda a nação.
Nas contas da IFI, que podem ser conhecidas no Relatório de Acompanhamento Fiscal divulgado hoje em nosso site (www12.senado.leg.br/IFI), o déficit primário deverá reverter-se em superávit apenas em 2023, com a dívida crescendo até esse período, para então iniciar gradativa trajetória de queda. Trata-se de um cenário mais benigno do que o traçado por nós em outubro do ano passado, quando da última revisão, mas ainda assim particularmente desafiador.
Em 2018, a ajuda de receitas extraordinárias pode ainda ser elevada, mas o déficit primário tende a ser pior do que no ano anterior. A partir de 2019, será cada vez mais importante aprovar medidas que tratem efetivamente o comportamento da despesa obrigatória, em particular, bem como das receitas não financeiras. Não custa lembrar que o resultado fiscal recorrente, livre dos efeitos extraordinários, encerrou 2017 em nível notadamente pior do que o indicador oficial (1,7% do PIB), em torno de 3% do PIB.
A estratégia de política fiscal deve ter como diretriz a recuperação da solvência e sustentabilidade do estado brasileiro, medido na sua relação dívida/PIB. Apesar das melhores expectativas para o crescimento econômico de médio prazo, de 2% a 2,5% ao ano, a dívida continuará em expansão e demandará um superávit primário em torno de 2,5% do PIB para sua estabilização. Resta, portanto, uma profunda consolidação fiscal da ordem de 4 a 4,5 p.p do PIB.
A magnitude do ajuste per se revela que nenhuma medida isoladamente será suficiente para equacionar o desequilíbrio fiscal, mas sim uma inteligente combinação de medidas tanto pelo lado do gasto quanto da arrecadação. Não há bala de prata.
Estamos apenas no início de um longo caminho a ser percorrido. Não percamos o ânimo e a perseverança de avançarmos não apenas como país, mas como nação.