Leia abaixo artigo do advogado e contabilista Reginaldo Minaré que rebate informações publicadas no editorial do jornal Estado de S.Paulo, em referência ao projeto do senador Alvaro Dias que fixa limites para a cobrança de juros por instituições bancárias.
O que faltou ao editorial do jornal Estado de São Paulo?
Por Reginaldo Minaré *
O editorial do jornal o Estado de São Paulo, desta quarta-feira dia 27 de maio de 2020, tem como título “O risco da epidemia legislativa”. Redigido com português elaborado, redação fluída e bem dimensionado tem uma forma impecável, que é característica desse grande jornal.
Entretanto, o que o texto tem de riqueza na forma tem de pobreza no conteúdo. Especificamente sobre o comentário que editorial faz ao Projeto de Lei nº 1166/2020 (autoria do senador Alvaro Dias) que propõe o estabelecimento de um teto para os juros do cartão de crédito e cheque especial nesse período de pandemia, o editorial é paupérrimo. Funcionou como uma plataforma de defesa dos bancos e do carcomido liberalismo financeiro que levou e ainda leva milhares de pessoas à pobreza no Ocidente. Interessante que essa matriz de argumentação contida no editorial do
Estadão tem a mesma linha de atuação que orientou e orienta o trabalho dos presidentes do Banco Central – BC nos últimos anos, defender a liberdade absoluta e a garantia de maximização de lucros para os bancos.
Faltou ao editorial uma abordagem crítica ao trabalho do BC, que nos últimos anos foi incapaz de promover a concorrência no setor bancário e sim a construção de um verdadeiro oligopólio de 6 bancos que, segundo o atual Ministro da Economia, exploram 200 milhões de trouxas. O editorial argumenta que não foi apresentada explicação sobre o calculo que levou à proposta de limitar juros do cartão de crédito e cheque especial em 20% ao ano.
Faltou a quem elaborou o editorial ler e compreender a justificação do projeto, a taxa de 20% representa 6,6 vezes a taxa Selic, que está a 3% ao ano. O Relator do Projeto, senador Lasier Martins, atendendo pleitos de outros senadores e do setor interessado, elevou esse teto para 30% ao ano, que significa 10 vezes o percentual da taxa Selic. O calculo para o estabelecimento do teto de juros está sempre atrelado à taxa Selic, que é a taxa que orienta a remuneração que os bancos oferecem aos clientes que aplicam dinheiro em produtos financeiros, por exemplo, a poupança.
Faltou a quem redigiu o editorial cobrar com a mesma intensidade a explicação sobre o calculo que leva instituições financeiras no Brasil cobrar taxa de juro de até 790,53% ao ano de seus clientes no cartão rotativo. Assim como o editorial cobrou, e nesse caso injustificadamente, o calculo do teto proposto pelo projeto de lei, deveria cobrar das instituições financeiras que impõem taxas de juros a seus clientes que caracterizam a usura, a agiotagem.
Faltou ainda ao editorial um trabalho mínimo de estudo comparado, para constatar que dezenas de países já repudiaram esse modelo de liberdade excessiva que permite às instituições financeiras praticarem impunemente a usura. Exemplos de países que não permitem que instituições financeiras explorem seus cidadãos com juros típicos da usura, da agiotagem marginal, são: Alemanha, Itália, Indonésia, Colômbia, Espanha, Portugal, França, Itália… O editorial poderia verificar porque nesses países que estabelecem um teto para a taxa de juros, sempre vinculada à taxa oficial (no Brasil é a Selic) não falta crédito e o mercado financeiro funciona muito bem. Nesses países os juros anuais para o cartão de crédito rotativo são inferiores a 30% ao ano, na maioria deles inferiores a 20% ao ano.
Faltou ao editorial do Estadão analisar a ultima decisão do Tribunal Constitucional da Espanha, que considerou usura uma taxa de juros no cartão rotativo de 27% ao ano, visto que o limite lá é de 18% ao ano. Evidente que caso na Espanha não tivesse regra forte para o mercado financeiro, os bancos lá estariam impondo taxas de juros extorsivas como estabelecem aqui no Brasil. Mas lá não é cá, lá tem regras claras que protegem a população e garantem lucro para os bancos.
Faltou também ao editorial do Estadão considerar que tanto o Autor quanto o Relator do projeto não estão atendendo apenas suas bases eleitorais. Estão atendendo à maioria das famílias brasileiras que não suportam mais esses juros extorsivos que são impostos pelos bancos na sua função de mediador de crédito. O projeto de lei pretende proteger a população da exploração pela usura e, ao mesmo tempo, garantir um bom lucro para os bancos. Até agora ninguém apresentou cálculos validados pelo Banco Central de que terá prejuízo com uma taxa de 30% ao ano, com Selic de 3% ao ano.
Por fim, faltou ao editorial uma crítica mínima ao funcionamento do sistema financeiro nacional, que, curiosamente, nos últimos anos teve e tem um Banco Central, que tem a função de autorizar o funcionamento de novas instituições financeiras e fiscalizar os bancos, presidido por profissionais que até o dia anterior ao início de sua presidência no Banco Central eram diretores de grandes bancos instalados no Brasil. O presidente anterior tinha origem no Itaú e o atual tem origem no Santander. Esse tipo de relação promíscua entre as administrações dos grandes bancos privados e o Banco Central precisa ser objeto de crítica contundente, equivale à nomeação de um diretor de uma grande empresa aérea para a presidência da Agencia Nacional de Aviação, ou a nomeação de um diretor de um grande laboratório farmacêutico para a presidência da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária. No caso do sistema financeiro nacional, o
regulado dominou o regulador. Isso é péssimo para a população e para o Brasil.
Efetivamente faltou muita coisa no editorial do jornal o Estado de São Paulo desta quarta-feira, dia 27 de maio de 2020. Em uma futura abordagem do tema, o Estadão poderia alargar um pouco mais a visão, para não ficar apenas na cartilha da Febraban. Em determinados momentos, ganha-se mais produzindo uma crítica responsável do que agradando um grande cliente.
Importante ainda sugerir ao Estadão, que não considere uma determinada opinião de economista como verdade absoluta, isso é se curvar a argumento de autoridade. É importante ter o conhecimento de que economia não é ciência exata, e, portanto, um economista funciona como um advogado que procura sempre desenvolver e defender a tese que melhor agrada quem lhe paga no final do mês ou durante o contrato.
* Reginaldo Minaré é Advogado, Mestre em Direito e Contabilista.
Excelente artigo elaborado com cuidado e proficiência profissional a que nos acostumou o Dr. Reginaldo Minaré. Como sói dizer-se: “nota mil”!
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